No sentido literal da palavra, tradução é trazer aquilo que foi dito em uma língua-fonte para outra língua-alvo. Existem vários tipos de tradução – literária, técnica, interpretação… – Mas a com que eu trabalho é a audiovisual. Levando isso em consideração, a adaptação é refinar o texto para que ele fique o mais condizente possível com o que está aparecendo na tela. Aqui no Brasil, nós, tradutores audiovisuais, exercemos as duas funções: traduzimos para o nosso idioma e depois adaptamos o texto de acordo com o contexto, cena, roupas, objetos, personagens etc.
Depende do cliente. Essa questão já cai em direitos autorais, porque uma tradução de mangá, por exemplo, é encomendada por uma editora que detém os direitos daquele texto. O cliente que vai exibir o anime não é a editora, então vai depender de ele adquirir os direitos dos termos usados no mangá. E isso, como tudo na vida, não é de graça. Há clientes que enviam um documento chamado “show guide” no qual eles explicam tudo isso, o que devemos deixar igual ao original, o que podemos adaptar, se temos que seguir o glossário de uma tradução já existente… assim a gente sabe o que pode ou não fazer. Hoje, a maioria dos animes chega ao nosso país antes que a versão em mangá seja publicada oficialmente, mas eu sou a favor de uma uniformidade, e que leve em conta o que foi feito primeiro.
Eu acredito que as gírias fazem parte da cultura de um país. Elas estão inseridas no nosso dia a dia, em situações diversas e são faladas por pessoas de todas as idades. Aqui no Brasil, as gírias são o reflexo da diversidade enorme que existe no nosso país. Cada estado tem suas gírias e expressões regionais. No mundo conectado em que a gente vive, os “memes” acabaram também atuando como gírias, principalmente na boca da galerinha mais nova. É comum ver um adolescente repetindo o que ele viu num vídeo que achou engraçado.
Para as gírias, vai depender sempre da situação, da época, do tom e do personagem. Se ele permite isso, se a fala dele no original já é mais jogada, mais solta, tenho que trazer essa essência dele para a nossa língua. Agora, se não for o tom, não há motivo para isso.
Com os “memes” é mais complicado. Não só tenho que pesar o que já disse para as gírias, como também entra na jogada a questão do tempo. “Memes”, como tudo na internet, envelhecem muito rápido. Eu acabo correndo o risco de fazer com que a dublagem sofra o mesmo. A gente tem sempre que se lembrar de que um produto dublado, a princípio, é para durar. Então posso hoje fazer um personagem falar um “meme” que está em alta e trazer visibilidade por isso, mas e daqui a 30 anos? As pessoas vão entender a graça da piada? Para cada escolha uma renúncia, não é tão simples assim.
Na grande maioria, sim, mas quando a gente fala de animes é mais complicado, porque não existem palavrões, como a gente conhece no japonês. Então, novamente, sempre temos que analisar o personagem, o tom e o contexto. Não vou fazer uma colegial fofa mandar a outra tomar naquele lugar só porque uma colega disse algo que não a agradou, assim como não vou fazer um gângster mandar o outro “catar coquinho” depois que um rival o chamou para uma briga. É um trabalho que exige muita sensibilidade.
Existem várias dificuldades de acordo com o que a gente está traduzindo. Todo projeto exige pesquisa, mas há uns que te fazem ficar com mais de 10 abas abertas no navegador para chegar numa solução que transmita o que o original está dizendo, e que seja entendida por quem está vendo na nossa língua. Há outros projetos que vêm com roteiro ruim, faltando falas ou nomes de personagens e aí nós, tradutores, temos que ouvir com mais atenção ainda o original, ou correr atrás de sites como o IMDB pra saber quem são os personagens. Em animes, por exemplo, também temos aquela questão de que a boca dos personagens continua batendo mesmo depois de ele já ter terminado de falar, então é necessário esticar o texto para não “sobrar boca”.
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